Não fique aí parada, faça alguma coisa!
O meu coração está sangrando.
Hemorragia mortal.
Pegue o fio da sua indiferença e alinhave com urgência a minha ferida.
E com o seu ato de caridade pague todos os seus pecados.
E saia da minha vida com a cabeça erguida.
E me deixe aqui soluçando a sua falta.
Que não é falta, é ausência visceral, navalha afiada.
Cicatriz antecipada.
A dor que ainda vai doer.
O tapa explodiu na cara.
Não foi dor, foi vergonha.
Olhei o espelho, o vermelho estava lá.
Olhei pra ela.
A clara expressão de satisfação no mapa do rosto.
Pensei, o que vem depois?
Faca, veneno, vidro moído?
Mais constrangimento?
Não soube responder.
Magoado, fui dormir.
Amanhã?
Sempre acredito no amanhã.
Afinal, o amor não é movido por crenças?
E o amor pode tudo?
Até matar!
No início, pensei que ela só queria um pouco mais de carinho...
Um pouco mais de atenção todos os dias.
Mas depois era andar de mãos dadas na rua, abraçados em casa, agarrados como siameses na cama.
E de repente eu só podia falar com ela, comer com ela, respirar com ela.
Os dias se repetiram...
E repetiram...
E eu fui me fundindo a ela, me incorporando a ela.
Agora, não sonho mais sozinho; sonhamos em conjunto o sonho autorizado por ela.
Não vivo mais sozinho; vivo a vida determinada por ela.
Estou perdendo os movimentos, ficando cego, surdo e mudo... e não sei mais o meu nome.
E não sei mais se eu sou eu ou ela...
Ou se existo!
No que pisquei, senti a bofetada.
Ouvi o choro...
O abrir e fechar da porta do guarda-roupa.
O soluço...
O abrir e fechar da porta da frente.
O barulho do carro...
Depois, silêncio.
O vazio maior que a casa.
O ardumezinho de derrota no lado esquerdo da cara.
O choro...
Uma vontade danada de sair bebendo...
E beber até me matar.