Confesso:
De amor por aquela ordinária, padeci a vida inteira.
Nunca assisti um nascer de lua sem cantarolar algum verso de amor.
Nunca assisti um pôr-do-sol sem derramar uma lágrima.
Nunca ouvi seu nome sem entrar em desespero.
E a minha vida se fez noite.
Os versos ficaram engasgados em minha garganta.
E me arrastei feito um verme na lama.
E definhei feito planta sem água.
E me fiz um vegetal.
Mas do meio da minha miséria física e moral aprendi uma lição:
Nunca duvide da capacidade destrutiva do amor.
Ele é mestre em deixar cego, fechar bocas, cortar pernas, calar a poesia e destruir sonhos.
O amor é um carrasco sem alma.
O amor é imoral.
Ela é dura, teimosa, cheia de manha, nunca desiste de fato.
Fujo, desapareço, despeço, despedaço, desfaço... desacato.
Nada, ela é como um bicho do mato.
Avança, ataca, morde, arranha, alvoroça...
Fujo da briga, da birra, da intriga e me atraco.
Saio nas unhas, nos dentes, nos pés e nos braços.
Mas já me acostumei com o que me acontece e faço.
Eu já fui mais doce, mais de agrados.
Hoje sou prego, um homem dividido em pedaços.
Especialista em feras carentes de abraços...
Em amores que se desenlaçam...
E em corações amargos.
E eu disse a ela no quente da batalha:
Não sofra, meu amor!, o amor é sempre assim.
E enfiei um adjetivo pontiagudo na sua alma.
Ela tremeu, mas reagiu...
Mandou de volta um adjetivo com 5 pontas afiadas que me atingiu o coração.
Contra-ataquei:
Enfiei-lhe garganta abaixo uma vírgula, um ponto e vírgula, reticências e tentei ser humano dando um ponto final em nossa fútil guerra.
E disse novamente:
Não sofra, meu amor!, o amor é sempre assim.
E acrescentei:
Mel no início e fel no fim.
Ela ainda esboçou uma reação.
Mas a lágrima rolou mais rápida que as palavras.
E eu corri para o colo do doce silêncio.
Já fui um sujeito muito amado.
Compunha poemas para os meus amores.
Fazia serenatas em noite de lua.
Uivava feito um lobo esfomeado e apaixonado embaixo das suas janelas.
E isso foi durante muito tempo.
Mas o amor tem o mau hábito de nos deixar cegos.
Depois de tempos, comecei a enxergar a história dos meus amores.
Percebi que mais de 1 vez me amaram, depois desamaram, me amaram de novo, desamaram novamente, amaram de novo...
Lembro-me que eu escrevia e rasgava poemas, cancelei serenatas e chorava feito uma criança abandonada embaixo das suas janelas.
Um dia, de tanto vai e vem, enchi o saco e mandei o amor à merda.
E escrevi o meu último poema:
Amor, ô bicho chato!
E vivi feliz para sempre.