Naquela tarde, depois de 17 anos, ela saiu da minha vida.
Perplexo, li o bilhete na porta da geladeira:
Não sofra! desde o 1º dia que te vi, nunca te amei.
Foi ruim enquanto durou.
Não me procure; eu nunca existi para você.
Tenha uma boa vida ao lado da tua chatice.
Um dedo para você.
Tchau!
TõeRoberto
Aprendi a amar muito cedo.
E sofri muito cedo.
Amar é a arte de sofrer...
Anestesiado pela promessa de ser amado.
É o martírio dos carentes, a arma dos indiferentes.
Já fui carente e indiferente; fui os dois lados da moeda.
E sofri.
E de tanto sofrer, cansei.
Estou em plena metamorfose.
Estou aprendendo a arte de desamar.
Desamar é a arte de ser feliz...
Sublimado pela certeza de não ser amado.
Ainda quero dizer a sangue frio:
Como desamo você, minha desamada!
E quero ver um sorriso de felicidade escorrer pelo seu rosto...
E suas asas se abrirem à procura da estrada da liberdade.
TõeRoberto
Anos a fio com ela.
Sol, chuva, frio, flores.
Milhares de abraços, beijos e coitos.
Alegrias, tristezas, risos e choros.
Filhos, cães, gatos.
As flores esparramadas pelas janelas e varandas.
A nossa música, a moqueca de camarão, a praia preferida, o filme de derramar lágrimas de amor.
A rotineira rotina dos casais.
O eterno tédio dos que amam.
E...
20 anos a 2 depois...
Ela olhou no fundo dos meus olhos e disse:
Nossa!, eu não tinha percebido, mas você é vesgo do olho direito.
Olhei no espelho, não vi nada.
Talvez o olho dela é que seja torto.
TõeRoberto
Eu juro:
Não há nada de errado comigo.
Sou o que você gostaria que eu fosse.
Sou sua propriedade e hoje danço conforme a sua música.
Sou o seu cãozinho ensinado:
Balanço o rabo, deito, rolo e faço festa para você.
Mas existem alguns problemas que você acha que são problemas, mas não são; são apenas as suas vontades concretizadas.
Nada vejo porque fiquei cego, nada escuto porque fiquei surdo, nada falo porque fiquei mudo.
Sou exatamente o que você queria:
Um vegetal pau-mandado acorrentado aos seus pés.
E, às vezes, um capacho puído na porta dos seus caprichos.
Eu disse a ela:
Amor, eu te amo com toda a paixão do universo.
Ela olhou bem nos meus olhos e...
Como você mente fácil!
Está bem - disse eu -, eu só estava brincando; nunca te amei de verdade.
O mundo desabou sobre a minha cabeça.
Ela acreditou de pronto, e todos os adjetivos desqualificadores da língua portuguesa se transformaram em setas mortais.
Ferido de morte, enfiei o rabo no 1/2 das pernas e fui me encolher no meu cantinho da casa.
Pergunto:
Quem pode com mulher?
Quem entende esse bípede maravilhosamente diabólico?